Levantou cedo aquele dia, como de costume. Todo santo dia declarava guerra às galinhas da vizinha para saber quem acordava mais cedo, quando digo galinhas da vizinha, são as que comem milho mesmo viu, não estou chamando minha vizinha de tal, mesmo ela sendo, enfim... Correu para o banheiro, olhou seu rosto meio velho, meio pálido, ou meio caquético ?
Observou e deu atenção maior às suas olheiras que formavam um vasto buraco preto ao redor do olhos , preto da cor do café amargo que fez logo ao sair do cubículo, que era seu banheiro.
Para aproveitar mais o café que tinha feito, pegou algumas bolachas de água e sal, as famosas cream crackers e colocou para dentro. Devorou o café todo em três palitos. Pensou que estivesse atrasado, mas nem ele próprio sabia o motivo do atraso e nem para que ocasião estava atrasado, apenas sentia.
Bebeu três copos d'água e lembrou instantaneamente de sua mãe que sempre dissera que beber água após tomar café fazia mal, que a pessoa ficava torta para sempre, eternamente torto. Lembrou-se também da figura do corcunda de Notre Dame, mas mesmo assim engoliu a água gelada, que saia da garrafa de refrigerante, usada por ele.
Pegou sua bolsa que continha apenas algumas moedas, um livro de Balzac e um CD virgem que levaria para o amigo passar algumas músicas de Nara Leão.
Pôs a chave na fechadura e abriu a porta. Foi tomado por um vasto sopro de vento, como se o mundo exterior o quisesse vomitar ou fazer ele voltar para a sua casa. Não se intimidou pela ignorância do vento, nem pela apatia da brisa, colocou seu rayban meio velho meio preto no rosto e saiu de encontro ao acaso e a surpresa.
Pensou alguns bocados consigo mesmo, quanto tempo fazia que não colocava os pés na rua? Quanto tempo que não via a braveza do dia, o sol escaldante de Fortaleza, os muros humanos, as barreiras visíveis? Ele não tinha a resposta, estava indo atrás, mas já previa que não encontraria nada além do caos pessoal e particular que estava a sua vida.
Lembrou de cartões postais que nunca vieram, das fotografias vintages que nunca fizera, dos tangos argentinos que nunca dancara, dos souvenires parisienses que nunca recebera, dos amuletos da feirinha baiana que nunca ganhara. Estava farto destas lembranças, queria fazer o seu próprio patuá, suas próprias lembranças, mas o destino não deixaria, disso tinha certeza. I'm believe. I'm believe mon'amour, repetia isso e os devaneios das noites surreais que nunca vivera vinha à tona.
Desistiu de ir atrás de um servivente para conversas. Se arrependeu de ter saido de casa, pois mesmo assim os momentos remember vieram com ele, foi aí que soube que por onde fosse, por mais distante que fosse, os resíduos da paixão mal acabada, da frustração amorosa iam acompanhá-los. Eram os cacos de lembretes que ele tinha adquirido da vida. Só restava repetir para si mesmo, c'est la vie, c'est la vie!
Eduardo Sousa
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